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E assim se foi Franklin Zapatta

by em 30 de agosto de 2014

Partiu de Taboão da Serra rumo ao nada o famoso Franklin Zapatta. Foi-se numa quantum prata com escala no Mato Grosso do Sul e provavelmente descansa agora ao lado direito de Bacco e à esquerda de Tim Maia.

Era o único homem que conheci a esconder nos bolsos da jaqueta explosivos, chicletes, cerveja, ocasionalmente um pouco de fumo e um nariz de palhaço. Zapatta queria me comer, o que não era privilégio nem meu, nem dele. Éramos muitas. No velório contei pelo menos seis viúvas e uns tantos candidatos frustrados a namorados. Zapatta era espada (ao que consta) e praticou até o último dia. Morreu dançando nos braços de uma velha amiga que tomou como piada o simulacro de desmaio. Morreu no bar, copo de uísque na mão com uma mulher sobre ele, pressionando-lhe o peito e a boca, como tinha que ser.

Tinha as pernas tortas e gaguejava, mas foi o único homem que recebeu meu desdém mostrando imediatamente a cor da cueca (vermelha) e a barriga tanquinho porque, sim, ele tinha uma invejável barriga tanquinho aos 47 anos. Uns dizem que a boa forma se devia à origem meio negra, meio indígena, meio alienígena. Outros, que ele nasceu em 2050 e foi acidentalmente teletransportado para dentro de uma geladeira de cerveja na Rua Rocha, mas a versão mais provável é que começou a vida ajudando a mãe numa barraca de feira e daí veio seu talento inigualável para cantadas e improvisos. Foi bailarino, palhaço, promoter de festas, iluminador intuitivo, mototaxista, crooner, camelô e colecionador de chapéus. Aliás, esse será um legado pelo qual seus amigos vão fingir não brigar “fique com este que é a sua cara” ou “este era prometido pra ti”, mas a verdade é que bastará o primeiro chapéu sumir da incrível sala-de-estar-boate de Franklin Zapatta para que a corrida comece. E ele deixou chapéus para todos, mais de 50 entre caubóis, Da Vincis, monges, marinheiros ou senhoritas dos anos 20, sendo este último a mim destinado.

Confesso a mesquinhez do pensamento. Quando soube que Zapatta tinha morrido, lembrei daquele chapéu. Quem seria a herdeira dele? Certamente não eu, que nem tinha me deitado com ele.

Faz frio em Taboão da Serra, um frio de gelar os pelos da bunda. Eu observo de longe os amigos da Rua Rocha em volta do caixão do grande Franklin Zapatta que ali está: lindo, de camisa banca florida e a máscara de quem já se foi. Todos os boêmios da Bela Vista estão de costas para mim vestindo preto, coisa que já não se vê nem nos velórios mais tradicionais. Apenas um amigo veste jaqueta marrom, camisa vermelha, cachecol verde e um chapéu. Está fantasiado a la Zapatta, mas bêbado demais para levar os méritos.

Esperaram todos na porta do cemitério por horas e horas, porque o grande Zapatta conseguiu chegar atrasado no próprio velório, obrigando os convidados a invadirem a portaria para pedir pizza e muita cerveja. “Se a não tiver cerveja, ele não vem”. E choraram muito, porque tinham bebido e porque a ausência dele lancetava o tal miocárdio. E riram porque era preciso riso para velar um bufão. Se abraçaram, e mesmo as viúvas se abraçaram, porque Zapatta era generoso e era isso que ele ia querer. “Não sou alto nem sou filósofo, mas sou gostoso pra caralho. É só provar pra saber.”

Foi um velório curtíssimo, como se Franklin quisesse abreviar a tristeza para que curtissem a noite de sexta. Os amigos rezaram pai nosso ave maria como se deve e depois cantaram Tim Maia “é primavera, te amo”. Choraram. Houve gritos. Uma torcedora do Coríntians vomitou atrás de um álamo. Depois terminaram as cervejas, apagaram os cigarros e embarcaram de volta no mesmo ônibus contratado pelo amigo publicitário. Desembarcaram na padaria de costume, onde pediram as cervejas de sempre, mas Zapatta, o magnífico, não está mais lá. Ele não vai aparecer cantando, não vai gaguejar entre as mesas, nem vai posar de garanhão para as novatas. Franklin Zapatta morreu dançando, por isso não vai ver que hoje o pão na chapa está mais duro, a cerveja mais quente, os olhos mais úmidos e as mulheres mais ausentes, olhando o céu e tentando desvendar em qual estrela estará escondido o seu homem (ou o homem que nunca vão ter).

2 Comentários
  1. Margherita permalink

    Este era o Frank, que também não deitei na cama, mas que muito me alegrou com suas risadas e suas cantadas que vão deixar saudades.

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  1. E assim se foi Franklin Zapatta | Rua Rocha

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